(Texto que republico todo ano...)
2019. As memórias e pantomnésias do querido e esplendoroso natal continuam vivas, pululando, saltitando radiantes, entre champanhes e presentes materiais trocados pelos familiares. Na grande e luxuosa ceia, famílias abastadas comeram perus covardemente assassinados aos montes, em escala industrial, estendidos nas mesas. Eles ainda estão a lembrar dos prodigiosos momentos em que os abraços dos parentes sinceramente fingidos, moldados pela situação, os envolveram tão belamente, saturando mutuamente suas narinas com o excesso de perfume que só as tias mais exageradas têm o dom de usar, junto com seus 2kg a mais de maquilagem e bijuteria dourada. Algum Papai Noel, contratado ou da família, mais uma vez desfilou pelas chaminés, pagando o tributo à sua patrocinadora Coca-Cola. E em volta de uma árvore belamente morta e torturada com apetrechos e bugigangas, crianças sonharam com brinquedos e doces, adultos com carros e transas, e Jesus com um pouco de paz, se perguntando o porquê de até agora seu aniversário ser "comemorado" em 25 de dezembro, quando na verdade nem se sabe o dia em que ele nasceu. Mas logo ele se tranquiliza, pois ele próprio sabe que nasceu antes dele mesmo, por volta do ano -7. Cristo nasceu antes de Cristo. Portanto, um equívoco a mais ou a menos, não iria fazer muita diferença. Ninguém ao menos sequer sabe que o Natal é uma festa pagã, muito antiga, em homenagem ao Deus-Sol e seu "renascimento".
Por falar na Igreja, essa como sempre marcou seu território e ostentação com a Missa do Galo. Não esqueçamos também do playback gravado com todo lixo cultural brasileiro, e de outros ícones globais, como Roberto Carlos, Luan Santana e aquela moça que canta com as pernas - a tal de Ivete. Tudo mais batido que a maionese servida pelas mulheres, que certamente foram as designadas a prepararem a famigerada ceia, enquanto os homens cumpriram seu papel social machista de tomar uma cervejinha, conversando sobre os negócios e o futebol. E enquanto isso, milhares de mendigos observaram os carros ziguezagueando nas ruas, cheios de alegria e cerveja, passando batidos por eles em pleno espírito de comunhão natalina com o próximo. E, nessa noite feliz, certos pais choraram em silenciosa melancolia, por não poderem proporcionar um sorriso aos filhos, ambos vítimas de todo esse contexto. Talvez eles, com sorte, tenham conseguido algum emprego temporário nesse dezembro tão lindo, onde as empresas oferecem vagas para as pessoas serem exploradas por três meses, durante as festas natalinas, visto que a demanda de perus aumenta.
Ainda está lá, naquela gavetinha, a roupa toda branca do Réveillon. Costume esse africano e umbandista de se vestir de branco, que a católica e maçônica elite do Brazil utiliza nas suas pseudo-festas de fim de ano, todas previamente gravadas em clubes caros para passar na televisão no dia da "virada", que não vira nada a não ser o cronômetro imaginário nas nossas cabeças. É de certa forma curioso observar a sociedade paternalista cristã, cheia de etiquetas e bons costumes, criticar religiões africanas, e desprezar as culturas desse continente durante um ano inteiro, para, no final desse, contradizer-se numa festa de fim de ano reproduzindo ritos africanos.
As esperanças de se fazer tudo igual se renovaram, promessas foram feitas ao léu, e certamente serão cumpridas até o inicio do carnaval, quando muito. E pessoas muito maduras engoliram sementes, sorveram lentilhas e saltitaram ondas, esperançosas de acumular mais dinheiro no ano que nascia. Sem falar que nesse dezembro, como de praxe, automóveis e álcool combinaram muito bem, culminando em drásticas estatísticas de acidentes de trânsito, presenteando muitas crianças com a Morte. Alegria alegria! E Viva o Natal! Viva o Papai Noel e as luzinhas! Viva o domingo, a cachaça, a família, a putaria, a ignorância! E esperemos agora os confetes do carnaval, essa bela festa que retrata tão bem a nossa cultura no exterior!

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